Diálogo

Lucrécio:
E essa árvore infinita?

Títiro:
Ela existiu nos tempos primeiros, quando a terra era virgem e o homem ainda estava por nascer, assim como todos os animais. A Planta era senhora e revestia toda a superfície do solo. Ela poderia ter permanecido a única e soberana forma de vida, oferecendo a olho dos deuses o esplendor variado das cores das estações do ano. Imóvel pela própria natureza e cada um dos seus indivíduos, deslocava-se através das suas espécies, ganhando  de espaço em espaço a extensão. Era pelo número dos seus germes (que esbanjava loucamente pelos ventos) que ela procedia e se alargava à maneira de um incêndio que devora tudo o que encontra para devorar; e seria isso que ainda fariam não fosse o homem e as suas obras, as ervas e os arbustos. Mas aquilo que vemos não é nada ao pé do que foi este poder de conquista por saltos de sementes aladas nessa idade heróica do vigor do vegetal. Ora (escuta isto, Lucrécio), aconteceu que um destes germes, quer por causa da excelência da terra onde ele caiu, ou do favor do sol sobre ele, ou por outra circunstância, cresceu como nenhum outro, e da erva fez-se árvore, prodígio! Sim! Parece que nela se formou uma espécie de pensamento e de vontade. Ela era o maior e mais belo ser sob o céu quando, pressentindo talvez que a sua vida de árvore se limitava ao seu crescimento e que ela não vivia senão de crescer, lhe aconteceu uma espécie de loucura de desmesura e de arborescência...

Paul Valéry, "Diálogo da Árvore" (excerto) in Eupalino ou o arquitecto, Fenda, Lisboa, 2009

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